Atividades da Oficina de criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro e do grupo de teatro Nau da Liberdade promovem vias de expressão a usuários de serviços de saúde mental de Porto Alegre e região metropolitana
*Foto: Flávio Dutra
As artes possibilitam uma infinidade de meios para os pacientes se manifestarem. A pintura, por exemplo, favorece a expressão de sentimentos, vontades e ideias por meio de figuras e desenhos, seja em uma tela ou em uma folha de papel. Ela é um ótimo recurso terapêutico e promove uma série de benefícios, como a melhora da concentração, da motricidade e da comunicação. Foi através da pintura, entre outras práticas artísticas, que a psiquiatra Nise da Silveira revolucionou a abordagem clínica de pacientes psiquiátricos com a criação de uma oficina terapêutica ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro.
Precursora no uso de terapias alternativas e não agressivas no tratamento de doentes mentais, a atuação de Nise inspirou a criação da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre, no ano de 1990. Segundo Barbara Neubarth, psicóloga e fundadora da iniciativa, apesar da proximidade entre as duas propostas, há também diferenças. “Nosso trabalho é mais clínico, ele tem diferenças em relação ao realizado pela doutora Nise, porém o nosso campo de trabalho é o mesmo. Os nossos frequentadores são semelhantes aos frequentadores de lá, guardam semelhanças nesse sofrimento sem querer e nessa possibilidade de se expressar através da arte”, conta.
Com o objetivo de incentivar a criatividade, desenvolver a capacidade expressiva por intermédio de recursos artísticos e promover a melhora das relações familiares, a Oficina é um lugar para as artes. Atendendo inicialmente moradores asilares, gradualmente a oficina foi proporcionando terapia a pessoas internadas na área hospitalar, no ambulatório e em serviços de saúde mental da rede do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com Tatiane Patrícia Souza da Silva, terapeuta ocupacional e coordenadora do projeto, o trabalho realizado na Oficina é um articulador com os outros serviços de saúde mental do SUS.
“A ideia é que a oficina possa se tornar esse espaço pensado na arte, mas também muito ancorado nos aspectos da saúde, com profissionais que consigam olhar potencializando a arte, mas também cuidando”
Tatiane Patrícia Souza da Silva
Luta antimanicomial
Em 1970, influenciado pelo Movimento Reformista Italiano, nasce no Brasil o Movimento da Reforma Psiquiátrica. Em 2001 foi aprovada a Lei Federal 10.216, mais conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, que garante a proteção e os direitos de pessoas portadoras de transtornos mentais. A partir dessa lei, tem origem a Política de Saúde Mental que busca garantir o cuidado ao paciente com transtornos mentais em sistemas substitutos aos hospitais psiquiátricos. A criação da legislação possibilitou cada vez mais o uso de terapias alternativas, como a arte, no tratamento de pessoas com doenças mentais.
A Oficina de criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro oferece uma série de atividades: modelagem em argila, desenho, pintura sobre tela, papel ou tecido, colagem, teatro, música. “A gente fornece um tipo de tratamento que se dá através dos recursos artísticos. Para a aula, a gente procura diferentes linguagens da arte para tentar ver por onde a pessoa pode se expressar melhor”, explica Bárbara Neubarth.
Ao longo de mais de três décadas de existência, a Oficina reuniu cerca de 200 mil obras de arte produzidas por pacientes, ex-pacientes e pelo público ligado à assistência de saúde mental do SUS.
Para ilustrar o papel das pinturas na saúde mental, o blog https://blog.cenatcursos.com.br/pinturas-que…/… separou 7 obras de pintores consagrados.
A arte vem sendo usada como forma de terapia há milhares de anos. Muitos psicoterapeutas modernos continuam incorporando a arte em seus tratamentos.
Na arte encontramos um caminho seguro para expressar emoções e de uma maneira criativa. Artistas que exploram o tema da saúde mental em suas pinturas podem ser uma grande fonte de conforto e inspiração para aqueles que estão lutando com transtornos emocionais, além de serem uma expressão única da arte. A arte pode avançar o diálogo em torno do sofrimento e da vulnerabilidade.
1- Self-Portrait With Bandaged Ear – Vincent Van Gogh 1889. Van Gogh (1853-1890) pintou trinta e cinco autorretratos entre os anos 1886 e 1889. Dois deles são com a orelha coberta por uma faixa branca. Para o motivo existe mais de uma versão como resposta.
Naquele dia, Van Gogh havia mais uma vez brigado com o amigo e também pintor Paul Gauguin (1848-1903), que morava com ele na Casa Amarela. Os dois já não conseguiam se entender. “Vincent e eu não podemos simplesmente viver juntos em paz devido à incompatibilidade de temperamentos”, reclamou Gauguin a Theo, irmão de Vincent. A situação tornou-se insustentável e Gauguin resolveu ir embora. Vincent se desesperou.
A primeira versão diz que, após o jantar, Vincent teria usado uma faca para cortar um pedaço de sua orelha esquerda, dizendo-lhe para que guardasse o objeto com cuidado. Essa é a versão mais conhecida.
2 – Minha Ama e Eu – Frida Kahlo, 1937. Diante de diversos traumas físicos e emocionais, ela encontrou na arte uma maneira de lidar com a dor e o sofrimento transformando suas experiências em força e criatividade. Muitas de suas pinturas apresentam elementos autobiográficos que captam seus sentimentos e expressões que são extremamente pessoais.
Quando Frida Kahlo nasceu, sua mãe, Matilde Calderón, não tinha leite para amamentá-la. Especula-se que a mãe também tenha passado por um duro período de depressão pós parto. Por esses motivos Frida foi entregue à uma ama de leite indígena. Apesar de fisicamente próximas, ambas as figuras parecem distantes emocionalmente, elas sequer se olham.
3 – Red Suit – Melissa Fish – The Art of Recovery, 2022. A exposição com obras de artistas que enfrentaram transtornos emocionais e, ao mesmo tempo, estimular o bem-estar através do processo criativo. As pinturas são utilizadas como uma forma de expressão livre e criativa que permite a esses artistas lidar e expor suas emoções.
4- O grito – Edvard Munch, 1893. Embora a imagem do personagem gritante muitas vezes tenha sido interpretada como ansiedade ou medo, a obra também pode ser vista como uma expressão de sofrimento mental, o autor usa a força expressiva das linhas e o valor simbólico da cor. O Grito simboliza a solidão, a melancolia, a ansiedade e o medo, alguém em desespero. Ha uma frase escrita a lápis na parte superior esquerda da tela, quase imperceptível. A tradução é “Só pode ter sido pintado por um louco“.
5 – Somedays feel like this – Sonaksham, 2020. Além de esclarecer equívocos comuns sobre vários transtornos mentais, as ilustrações impressionantes de Sonaksha Iyengar, ilustradora e escritora queer radicada em Bangalore, também abordam a imagem corporal, deficiência, feminismo, gênero, sexualidade.
6- ARTE E PSIQUIATRIA – Nise da Silveira. O afeto e o exercício de escuta que Nise fez nascer estimulavam a cada um criar livremente. Atraves da análise de imagens de um autor, Nise deduzia os significados da produção.
7- Museu de Imagens do Inconsciente – Emygdio de Barros. Emygdio frequentou o ateliê da Seção de Terapêutica Ocupacional. Apesar dos longos anos de internação em condições adversas e sem nunca haver pintado antes ele revelou um talento incomum. Suas obras, desmentindo os preconceitos dominantes na psiquiatria, foram desde logo aceitas no mundo da arte.
Conclusão
As pinturas que abordam o tema da saúde mental ajudam a promover um melhor entendimento e conscientização sobre as lutas emocionais que muitos enfrentam. Ao oferecer uma representação gráfica de problemas mentais, essas obras podem auxiliar na desmistificação de pré conceitos ou estereótipos.
A arte tem um poder incomparável de evocar emoções e conectar as pessoas em um nível mais profundo. Ao visualizar uma obra que aborda a saúde mental, talvez possamos compreender melhor as diferentes experiências das pessoas.
Como uma ferramenta terapêutica, a arte pode ser uma excelente aliada na promoção da saúde mental e no combate ao estigma ainda associado a tais questões